Quando o tempo a mais não basta: os desafios e promessas da Educação em Tempo Integral

* Por Carine Valéria Mendes dos Santos, Larissa Ribeiro Berta e Mel Marques de Melo

O Brasil vem apostando cada vez mais na Escola em Tempo Integral (ETI) como um caminho para enfrentar desigualdades e ampliar as oportunidades educacionais. A proposta é ambiciosa: não se trata apenas de manter os estudantes mais tempo na escola, mas de transformar esse tempo em experiências significativas, diversas e integradoras — intelectual, física, emocional e socialmente. Muitas vezes essa abordagem se chama de escola em tempo integral na perspectiva da educação integral.

Mas, na prática, como essa ideia tem se materializado? Um estudo qualitativo do Observatório de Equidade Educacional percorreu quatro escolas públicas de Alagoas — localizadas em territórios urbanos, rurais, quilombolas e indígenas — para entender os efeitos da ETI a partir de quem vive essa política por dentro: professores(as), gestores(as) e estudantes. 

Uma escola que acolhe e protege

Nas falas de gestores(as), os efeitos positivos da ETI são evidentes. Eles apontam a escola como espaço seguro, com alimentação garantida, proteção física e emocional, além de maior tempo para apoiar a aprendizagem:

  • Refeições saudáveis e regulares reforçam o vínculo dos alunos com a escola e garantem o básico para muitos.
  • Acompanhamento pedagógico mais próximo, com possibilidade de reforço escolar, tem contribuído para avanços no desempenho de estudantes com dificuldades.
  • Ambiente acolhedor e protegido, especialmente importante para estudantes em situação de vulnerabilidade social.
  • Atividades no contraturno que vão de capoeira e dança a percussão e agricultura, ampliando o repertório cultural e corporal dos jovens.

“Para muitas famílias, saber que o filho está bem alimentado, seguro e aprendendo o dia todo é uma conquista enorme”, diz uma das gestoras entrevistadas.

Quando mais tempo não significa mais sentido

Ao mesmo tempo, a realidade apresenta desafios importantes para que a ETI cumpra com seu objetivo de seguir a perspectiva da educação integral.

Professores(as) apontam que, em muitos casos, o contra-turno dá continuidade às aulas regulares — às vezes com foco exclusivo em reforço escolar. Para os estudantes, isso pode representar cansaço e desmotivação, especialmente quando somado a longos deslocamentos diários e à falta de espaços de descanso.

A infraestrutura aparece como um dos principais gargalos. A construção de  laboratórios, bibliotecas, quadras esportivas cobertas e refeitórios continuam como um desafio para implementação de programas de incentivo à Escola em Tempo Integral. Além disso, faltam formações específicas para que educadores(as) possam reinventar suas práticas dentro da lógica da formação integral.

“Os estudantes chegam cansados, muitos já vêm de longe, e acabam passando o dia na escola sem pausa. Isso exige muito deles — e de nós também”, relata um dos professores entrevistados.

ETI: Entre o ideal e o real

O estudo mostra que a ETI é uma política com alto potencial transformador, mas que exige tempo, investimento e escuta constante. A ampliação da jornada, por si só, não garante uma educação mais justa ou integral. Ela precisa vir acompanhada de mudanças curriculares, inovação pedagógica e infraestrutura adequada.

Em Alagoas, o que se vê é um esforço contínuo — ainda marcado por limites concretos — de redes, escolas e profissionais para fazer da Educação Integral uma prática viva, conectada com o território e com os sonhos dos estudantes.

A ETI segue em curso. E como toda política educacional ambiciosa, enfrenta resistências, adaptações e reinvenções cotidianas. Mas ela também revela o desejo coletivo por uma escola que faça mais sentido, que forme para além das provas e que abrace os múltiplos saberes que os(as) estudantes carregam.

Entre promessas e desafios, a Educação de Tempo Integral lembra que tempo é só uma parte da equação. O que se faz com ele — e para quem — é o que realmente importa.

*Carine Valéria Mendes dos Santos é professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL); Larissa Ribeiro Berta e Mel Marques de Melo são alunas da UFAL. As três integram o time do Observatório de Equidade Educacional

Deixe um comentário

Ir para o conteúdo