Educação quilombola é mais do que escola: é território, identidade e saber ancestral

Como seria estudar numa escola onde sua história, sua cultura e sua forma de ver o mundo não são sequer mencionadas? Para muitas crianças e jovens quilombolas, essa ainda é a realidade. E é justamente por isso que cresce no Brasil uma luta silenciosa — mas poderosa — por uma educação que respeite os saberes, os territórios e as formas de viver dessas comunidades.

Um estudo coordenado pelas pesquisadoras Adélia Souto e Paula Miura, do Observatório de Equidade Educacional (NEES), analisou 16 artigos científicos que abordam a realidade das escolas quilombolas no Brasil. O objetivo foi entender o que está funcionando — e o que ainda está falhando — na tentativa de garantir uma educação mais justa para esses estudantes.

Educação para resistir

As comunidades quilombolas são reconhecidas pelo Decreto nº 4.887/2003 como grupos formados por descendentes de pessoas negras que resistiram ao regime escravocrata. São territórios marcados por luta, cultura e ancestralidade. Por isso, a educação quilombola vai além da sala de aula: ela está ligada à terra, aos modos de vida e à valorização da identidade (FRANCO, 2019).

Como mostram estudos como o de Custódio (2019) e Silva e Ramos (2019), não se trata apenas de ensinar conteúdos escolares, mas de reconhecer quem são esses estudantes, suas histórias, suas práticas e os saberes que circulam em suas comunidades.

A Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, é um marco importante. A criação de programas como o Brasil Quilombola e materiais específicos para comunidades tradicionais também têm buscado ampliar o acesso e a equidade.

Os desafios: silenciamentos e exclusões

Um dos problemas mais sérios apontados pelos estudos analisados é que as escolas continuam funcionando com uma visão única e limitada de conhecimento, muitas vezes sem considerar os saberes das comunidades quilombolas (OLIVEIRA et al., 2023). Isso faz com que os estudantes aprendam conteúdos que não se conectam com suas experiências, nem com suas memórias familiares e territoriais.

Outra questão importante é a formação dos professores. Muitos educadores relatam não se sentirem preparados para trabalhar com a diversidade cultural e histórica das comunidades quilombolas. Como destacam Meinerz e Silva (2023), ainda faltam instrumentos e políticas que aproximem a escola da realidade local e favoreçam uma prática pedagógica inclusiva e respeitosa.

Além disso, os estudos revelam grandes dificuldades estruturais, como falta de infraestrutura adequada, transporte escolar e reconhecimento oficial dos territórios quilombolas, que impactam diretamente no direito à educação.

Quando a escola se abre para o território

Apesar das dificuldades, há experiências inspiradoras. Em algumas escolas, os estudantes mapearam suas comunidades, resgataram histórias orais e integraram o conhecimento de raizeiros, pescadores e parteiras às aulas de ciências e geografia (CARDOSO; JÚNIOR; LOBATO, 2022; SILVA; RAMOS, 2019).

Essas experiências mostram que quando a escola reconhece o território e os saberes locais, o aprendizado ganha mais sentido. Isso fortalece a identidade dos estudantes, aumenta o interesse pelos estudos e fortalece os vínculos entre escola e comunidade.

Por que isso importa para o Brasil inteiro?

A luta por uma educação quilombola de qualidade não diz respeito apenas aos quilombolas. Ela fala sobre o tipo de país que queremos construir: um Brasil que respeita suas origens, sua diversidade e os múltiplos jeitos de aprender e viver.Valorizar a educação quilombola é fortalecer a democracia e combater as desigualdades. Como afirmam diversas pesquisas, a promoção de uma educação antirracista e territorializada pode ser um caminho não só para melhorar o desempenho escolar, mas para garantir o direito de existir com dignidade (CUSTÓDIO, 2019; FRANCO, 2019; OLIVEIRA et al., 2023).

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