Educação Básica com equidade: desvendando barreiras no cotidiano escolar entre estudantes

O acesso à educação é um direito humano básico, essencial para combater a pobreza e promover o desenvolvimento social. Nos últimos anos, a discussão sobre igualdade e equidade nas escolas ganhou força em diferentes meios. Objetivamente, enquanto igualdade significa oferecer as mesmas oportunidades para todos, equidade reconhece que cada estudante tem uma trajetória única e, por isso, precisa de apoios diferentes para chegar ao mesmo ponto. 

Contudo, no cotidiano escolar, a complexidade em torno da realidade pode revelar dinâmicas que ora convidam diferentes estudantes a participar das atividades da escola, ora criam barreiras e obstáculos para diferentes grupos de estudantes. Essas situações podem gerar impactos importantes nas vidas dos estudantes, seja no seu processo de escolarização em curso ou mesmo após a finalização de sua formação na Educação Básica. 

Para entender esse cenário, um estudo do Observatório de Equidade Educacional (NEES-UFAL) coordenado pelos pesquisadores Gleidson Diego Louretto (UFRR) e Gabriel Fortes (Universidad Alberto Hurtado – Chile) perguntou sobre a percepção 646 estudantes de escolas de Ensino Fundamental II e Ensino Médio de dois Estados brasileiros (Alagoas-AL e Roraima-RR) para entender como diferentes grupos percebem impactos da iniquidade educacional em questões escolares e individuais. 

Iniquidade educacional: as barreiras são as mesmas para todos?

Para responder a esta pergunta, conduziu-se um estudo com base em um modelo psicoeducacional que equaciona as experiências dos estudantes e que mensura as dimensões escolares e individuais da iniquidade educacional. A amostra foi composta por estudantes brasileiros da Educação Básica (N=646). 

Os participantes foram comparados em termos de sexo/gênero em uma dimensão escolar da iniquidade educacional (engajamento escolar) e em uma dimensão individual da iniquidade (esperança no futuro através de educação), através do Instrumento de Avaliação da Equidade Educacional – Estudantes (IAE-E). 

Em termos de definição, o engajamento escolar refere-se ao envolvimento dos estudantes com sua escola, de modo que estes desenvolvem conexão emocional, passam a investir esforço mental em questões escolares permitindo o desenvolvimento de habilidades cognitivas e não cognitivas. Já a esperança no futuro através da educação implica em um conjunto de crenças e na confiança de um sujeito que o percurso educacional pode ser um caminho viável para alcançar objetivos de vidas e mobilidade social.

Quanto aos resultados do estudo, estudantes meninos e meninas foram comparados quanto ao engajamento escolar (dimensão escolar da iniquidade) e esperança no futuro através de educação (dimensão individual da iniquidade). Na Figura 1, as médias por grupo e facetas são apresentadas.

O gráfico mostra que meninas têm maiores médias em aspirações futuras, valorização da educação e expectativas positivas, enquanto meninos se destacam levemente em engajamento afetivo e cognitivo. A principal queda entre meninos ocorre nas expectativas em relação ao futuro educacional.
Figura 1. Engajamento Escolar (Dimensão Escolar) e Esperança no futuro através da Educação (Dimensão Individual) por Gênero

Para o engajamento escolar, os resultados evidenciaram que os meninos apresentaram maiores níveis de engajamento afetivo e cognitivo que as meninas. Em outras palavras, isso significa que apresentam maiores oportunidades percebidas de aprendizagem (os meninos se sentem mais convidados que as meninas a se envolver nas atividades), assim como o ambiente escolar se mostrou um lugar mais acolhedor para os mesmos, quando comparado para as meninas. 

Para o segundo fator, relacionado às expectativas futuras positivas através de educação, os resultados indicaram que as meninas (vs. os meninos) apresentaram maior propensão a buscar metas através do processo educativo (aspirações através da educação), atribuíram maior relevância ao processo de escolarização formal (valorização da educação escolar) e foram mais esperançosas e confiantes de que os estudos podem garantir um futuro melhor (prontidão e expectativas positivas). A pergunta que se levanta é, o que isso quer dizer? 

Obstáculos educacionais entre estudantes brasileiros: implicações e direções para políticas públicas

As diferenças de percepção entre meninos e meninas revelam como as barreiras educacionais nem sempre são visíveis e muito menos uniformes para os diferentes grupos de estudantes na escola. Quando se trata de engajamento escolar, os meninos demonstram maior envolvimento emocional e cognitivo com as atividades da escola. Isso sugere que, para eles, o ambiente escolar parece mais acolhedor e favorável à aprendizagem.

Por outro lado, as meninas se destacaram quando a questão é esperança no futuro através da educação. Elas são mais propensas a acreditar que o caminho escolar pode abrir portas e transformar suas vidas. Essa confiança, mesmo diante de um ambiente possivelmente menos receptivo, mostra um dado importante que precisa ser mais bem estudado e avaliado criticamente. Por exemplo, se sabe que mesmo com expectativas futuras positivas, isso pode não se traduzir em maior ascensão social após a finalização da Educação Básica para as mulheres, isto é, na entrada no mercado de trabalho. 

A pergunta que nos fica é, será que essa esperança no futuro da educação mostra um fator de resiliência ou uma visão ilusória de esperança no futuro? Para responder essas questões precisaríamos de mais informações.

Esses achados preliminares indicam que os desafios enfrentados por meninos e meninas são diferentes, fato que exige que escolas e políticas públicas estejam atentas às necessidades específicas de cada grupo. Enquanto os meninos se beneficiam mais do clima escolar atual, as meninas parecem carregar uma motivação mais forte em relação ao futuro, apesar das dificuldades no presente. 

Finalmente, o que este estudo permitiu, antes de tudo, foi equacionar a percepção dos próprios estudantes em suas vivências de disparidades no contexto escolar, permitindo o protagonismo desses atores escolares. Buscar equidade significa, portanto, compreender essas diferenças, de maneira contextual, a fim de garantir que todos tenham as condições adequadas para aprender, sonhar e crescer.

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