Dia da Mulher: Interseccionalidade e a ausência de um recorte plural na nova lei que insere a valorização da mulher nos currículos da educação básica

A  Lei nº 14.986/2024, promulgada em setembro do ano passado, representa um avanço ao inserir a valorização das mulheres na educação básica. Mas falta uma abordagem interseccional na formulação da política, na avaliação de pesquisadoras do Observatório de Equidade Educacional, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A nova legislação, apesar de ampliar a representatividade feminina nos currículos escolares, não detalha como essa inclusão deve contemplar as diversas realidades das mulheres brasileiras. 

Essa análise é resultado da frente de pesquisa do Observatório no projeto Interseccionalidade e Equidade na Educação: uma análise crítica do discurso público no Brasil, coordenado pela professora da UFAL Angelina Nunes, com a participação das estudantes Renata Souza Brandão e Ana Beatriz Dantas Rocha.

A nova lei inclui a obrigatoriedade de abordagens fundamentadas nas experiências e nas perspectivas femininas nos conteúdos curriculares dos ensinos fundamental e médio. Também institui a Semana de Valorização de Mulheres que Fizeram História, que deve ser celebrada nesta segunda semana de março. O Dia Internacional da Mulher é comemorado em 8 de março.

Múltiplas intersecções 

“O debate sobre gênero na educação muitas vezes desconsidera as múltiplas intersecções entre raça, classe e outros marcadores sociais, o que pode resultar em políticas que não contemplam a diversidade das experiências femininas no Brasil”, destaca Angelina Vasconcelos, que coordena o Observatório de Equidade. 

“Esse enfoque pode levar a um apagamento das experiências de mulheres negras, indígenas, de territórios populares e com deficiência. Isso ocorre porque a legislação reconhece a importância da equidade de gênero, mas não diferencia como fatores como raça e nível socioeconômico impactam as experiências femininas”, complementa Angelina.

“A vivência de uma mulher negra periférica, por exemplo, é marcada por desafios distintos daqueles enfrentados por uma mulher branca de classe média, como o acesso desigual à educação de qualidade, ao mercado de trabalho e à segurança”, observa a estudante Renata Brandão.

“Ao tratar a equidade de gênero de maneira homogênea, sem reconhecer essas variações, a política pode acabar reforçando uma visão limitada da realidade das mulheres brasileiras, deixando de contemplar suas necessidades e especificidades”, enfatiza Ana Beatriz Rocha

O papel do Advocacy na construção da Lei

As pesquisadoras ressaltam que a incorporação da equidade de gênero à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) não ocorreu de maneira espontânea, mas como resultado de pressões de diferentes setores da sociedade civil e do terceiro setor. 

“Organizações de advocacy desempenharam um papel central na formulação e promoção dessa mudança legislativa. Entretanto, a ausência de um olhar interseccional mais aprofundado revela as limitações das disputas políticas que envolvem a equidade na educação”, comentam as integrantes do Observatório.

Elas afirmam que políticas educacionais voltadas para equidade frequentemente são formuladas sob uma ótica de eficiência e resultados, sem necessariamente incorporar um debate mais amplo sobre as desigualdades estruturais que afetam diferentes grupos sociais. “Isso se reflete na própria Lei nº 14.986/2024, que, apesar de ampliar a representatividade feminina nos currículos escolares, não detalha como essa inclusão deve contemplar as diversas realidades das mulheres brasileiras”, enfatizam.

Ampliando o Impacto da Semana de Valorização

Angelina, Renata e Ana Beatriz defendem que é fundamental que a implementação da Semana de Valorização de Mulheres que Fizeram História  seja realmente equitativa. Para elas, as escolas e redes de ensino devem adotar medidas para garantir a representatividade de diferentes grupos de mulheres, promovendo o estudo de trajetórias diversas e suas contribuições em múltiplos contextos sociais.

Sugerem algumas ações, como incentivar projetos e pesquisas que contemplem mulheres negras, indígenas, de territórios populares e com deficiência em diferentes áreas do conhecimento. Também promover debates e atividades que explorem como gênero se cruza com outros marcadores sociais, contribuindo para uma educação antirracista e inclusiva.

Por fim, a frente de pesquisa recomenda a revisão de materiais didáticos para incluir referências mais plurais sobre as contribuições femininas na história, ciências, artes e política. E a criação de diretrizes que garantam que a implementação da lei ocorra de maneira equitativa, contemplando a diversidade da população brasileira.

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