Trajetórias com a Injustiça: Como Experiências Pessoais e Acadêmicas Moldam a Luta pela Equidade Educacional

Carine Valéria Mendes
Gabriel Fortes

As experiências pessoais de injustiça e exclusão podem moldar o caminho para a luta por uma sociedade mais justa. Para muitos, especialmente aqueles que enfrentaram racismo, desigualdade de gênero, discriminação socioeconômica ou marginalização cultural, essas vivências criam uma consciência precoce e um forte impulso para lutar por equidade. No campo educacional, essa conexão é particularmente forte, levando profissionais a promover práticas que visem a justiça social em suas salas de aula.

Pesquisadoras do Observatório de Equidade Educacional conduziram um estudo qualitativo para entender o que motiva profissionais da educação a se engajarem na luta pela equidade. Entrevistas com professores, pesquisadores, ativistas e gestores mostraram que as experiências pessoais de iniquidade foram um fator determinante para muitos desses indivíduos. Como exemplificado por uma professora entrevistada, mulher negra e lésbica do Nordeste, o impulso para evitar que seus alunos enfrentassem as mesmas dificuldades que ela enfrentou foi o que a mobilizou: “A responsabilidade muda quando você se torna professora. De que jeito eu vou evitar que meus meninos passem por metade das coisas que eu passei?” (E5).

Outro entrevistado, um quilombola, destacou como seu pertencimento a um grupo historicamente marginalizado influenciou sua trajetória: “Essa relação era um processo também de conhecer a mim mesmo, entendeu? E o meu povo. Então a provocação é a partir da minha origem e não a partir da academia” (E3). Para esses profissionais, a exclusão vivida foi o motor que impulsionou suas práticas pedagógicas e as levou a lutar pela promoção de oportunidades equitativas para grupos desfavorecidos.

No entanto, para aqueles que não enfrentaram diretamente essas iniquidades, o engajamento na luta por equidade surge de outro lugar. Para algumas pessoas em posições privilegiadas, a experiência acadêmica pode ser a chave para transformar esse privilégio em compromisso social. Um exemplo disso vem de uma professora entrevistada que, embora tenha crescido em uma família de alto poder aquisitivo e frequentado escolas particulares, fez de sua trajetória acadêmica um caminho de transformação: “O meu esforço a vida toda foi transformar esses privilégios que eu tive em estudar a vida toda em escola particular, depois fazer uma universidade pública, né, de ter tido uma formação de qualidade, transformar esses privilégios pra colocá-los a serviço de um rompimento com as desigualdades” (E2).

Esse dado reforça a importância de incluir o estudo e a problematização das desigualdades sociais em todos os níveis de educação, não apenas em atividades extracurriculares ou cursos especializados. Para muitos dos entrevistados, o despertar para essas questões ocorreu tardiamente, somente durante cursos de pós-graduação ou em iniciativas externas. Como relatado por um dos participantes: “Formação para equidade, por exemplo, dentro dos cursos eu nunca tive… foi muito mais por interesse pessoal mesmo” (E9).

Além disso, o estudo evidenciou que a participação em movimentos sociais desempenhou um papel importante na formação e no engajamento em práticas equitativas. Um dos entrevistados, atuante no movimento quilombola, mencionou: “Dentro do movimento quilombola a gente faz ativismo pelo direito à educação nas comunidades quilombolas, isso desde a educação básica até a educação superior” (E3). Outro depoimento reforçou a importância de movimentos como o feminista na conscientização sobre desigualdades de gênero nos processos educacionais: “Eu tive uma atuação como militante do movimento feminista, e foi por aí que eu trouxe a discussão sobre as questões de gênero” (E2).

Essas histórias pessoais ilustram a força que tanto as experiências de injustiça quanto a educação formal e os movimentos sociais têm na construção de uma consciência crítica e na mobilização para ações que promovam a equidade. A mobilização pessoal, no entanto, não pode ser o único caminho. A pesquisa mostra que é necessário um esforço coletivo para que essas questões sejam incorporadas sistematicamente no currículo desde a educação básica.

É urgente que a escola e a universidade abordem temas relacionados à desigualdade social de forma estruturada e contínua, impactando não apenas aqueles que vivenciam essas injustiças diretamente, mas também os que, a partir de uma posição de privilégio, possam ser mobilizados para se engajar em transformações sociais. A equidade, afinal, beneficia a todos, pois permite uma educação mais justa, inclusiva e capaz de formar cidadãos conscientes e comprometidos com a construção de um futuro melhor.

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