Equidade e Racismo: A ausência do compromisso antirracista nas promessas de candidatos a prefeitos em 12 capitais brasileiras

No próximo domingo, 6 de outubro, acontece o primeiro turno das eleições municipais, quando mais de 150 milhões de brasileiros vão escolher prefeitos e vereadores. Educação é uma das áreas que mais recebe promessas. O Observatório de Equidade Educacional, vinculado ao Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), realizou um levantamento sobre as propostas de 97 candidatos a prefeito de 12 capitais com maior número de eleitores.

Equidade, racismo, homofobia, machismo, igualdade e gênero/sexualidade foram temas analisados pela pesquisa, cujo objetivo principal foi verificar a centralidade da equidade educacional nas propostas de campanha. Uma das constatações é que menos da metade dos candidatos demonstrou em seus planos de governo o comprometimento com uma agenda voltada para a diminuição das desigualdades no sistema educacional.

O levantamento, realizado pelo pesquisador Gabriel Fortes, contemplou candidatos a prefeito das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, na região Sudeste; Recife, Maceió, Fortaleza e Salvador, no Nordeste; Belém e Manaus, no Norte; Goiânia, no Centro Oeste; e Curitiba e Porto Alegre na região Sul.

Resultados Principais: A Presença da Equidade nas Promessas Eleitorais

Entre os programas de governo analisados, 45% (44 dos 97 candidatos) mencionam algum aspecto relacionado à equidade. Os temas mais frequentes abordam:

  • A garantia de acesso e condições adequadas para que estudantes com deficiência frequentem escolas de qualidade.
  • A proteção ao acesso a creches, permitindo que mulheres possam ingressar no mercado de trabalho.
  • A prioridade de vagas para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

“Essas promessas são importantes, pois mostram um compromisso com a inclusão no sistema educacional. O foco em proporcionar condições mais equitativas, especialmente para mulheres e estudantes com deficiência, é um passo em direção à justiça social. Mas é preocupante notar que menos de 50% dos candidatos demonstram comprometimento com uma agenda voltada para a diminuição das desigualdades no sistema educacional”, destaca Gabriel Fortes.

“Apesar dos avanços, a equidade nos programas de governo ainda se mostra restrita a questões de inclusão, com um foco limitado. Além disso, a concepção de equidade nos planos continua centrada apenas em aspectos socioeconômicos, sem considerar outras dimensões importantes, como raça e território, evidenciando a falta de uma abordagem interseccional mais abrangente. Mesmo com algumas políticas de inclusão mencionadas, há uma lacuna crítica que questiona a profundidade desses compromissos, uma vez que abordagens interseccionais e estruturais ainda são raramente discutidas”, afirma Gabriel Fortes, que é professor e diretor do doutorado em psicologia da Universidade Alberto Hurtado, do Chile.

Uma Falha Crítica: A Ausência das Leis de Educação Étnico-Racial

Embora a equidade tenha sido mencionada por quase metade dos candidatos, o levantamento revelou um dado alarmante: a ausência quase sistemática de menções às Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que obrigam o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena nas escolas. Apenas 14% dos programas de governo analisados (14 de 97) fazem referência a essas leis, que são fundamentais para a promoção de uma educação antirracista no país.

“Essa ausência comunica algo muito mais profundo do que uma simples omissão: reflete uma falta de comprometimento com a agenda antirracista por parte dos candidatos ou, pelo menos, de incluir a educação como parte dessa agenda”, enfatiza Gabriel.

“As leis em questão representam um arcabouço legal claro e obrigatório, que visam não só valorizar a diversidade étnico-racial, mas também combater o racismo estrutural dentro do sistema educacional brasileiro. Ignorar essas leis nos programas de governo revela que o racismo ainda não ocupa o lugar central que deveria no debate político e nas políticas educacionais”, diz o pesquisador do Observatório de Equidade.

Dados Regionais: Desigualdade nas Menções às Leis Antirracistas

Das 12 capitais analisadas, 42% (5 das 12) não mencionaram as leis de educação étnico-racial, incluindo Maceió, Goiânia, Fortaleza, Manaus e Curitiba. Entre as sete capitais que mencionaram as leis, os dados são os seguintes:

  • Recife: 1 candidata de 8 (12,5%)
  • Salvador: 2 candidatos de 7 (28,6%)
  • Belém: 1 candidato de 9 (11,1%)
  • Porto Alegre: 2 candidatos de 8 (25%)
  • São Paulo: 4 candidatos de 9 (44,4%)
  • Rio de Janeiro: 2 candidatos de 10 (20%)
  • Belo Horizonte: 2 candidatos de 9 (22,2%)

Em termos de menções corretas às duas leis, apenas 5 candidatos (ou 36% dos que mencionaram as leis) incluíram as duas de maneira adequada. Esses candidatos foram:

  • 1 candidato em Belo Horizonte (11,1%)
  • 1 candidato no Rio de Janeiro (10%)
  • 1 candidato em São Paulo (11,1%)
  • 2 candidatos em Salvador (28,6%)
  • 1 candidata em Recife (12,5%)

Equidade e o Desafio de Compromissos Concretos

O levantamento evidencia que, apesar da presença de promessas ligadas à equidade, a ausência de referências às leis de educação étnico-racial é um indicativo claro de que o Brasil ainda enfrenta enormes desafios em sua caminhada rumo à justiça racial. “A promoção da equidade vai além de compromissos genéricos; ela exige ações firmes e a implementação de legislações já estabelecidas que abordam diretamente as desigualdades raciais”, enfatiza Gabriel.

“A educação antirracista, especialmente em um país com um histórico profundo de desigualdade racial como o Brasil, precisa ser mais do que uma retórica de campanha. Ela deve ser respaldada por compromissos explícitos com políticas já existentes que, infelizmente, continuam invisíveis nas promessas eleitorais de muitos candidatos. Somente através dessa vinculação entre discurso e prática será possível avançar para uma educação que enfrente de maneira significativa as raízes das desigualdades sociais e raciais no Brasil”, defende o pesquisador.

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