Os novos dados do relatório Education at a Glance 2024, da OCDE, divulgados nesta semana, lançam luz sobre uma triste contradição que permeia a realidade educacional e laboral no Brasil: embora meninas tenham um desempenho acadêmico superior ao dos meninos durante o ensino básico, essa vantagem não se traduz em oportunidades no mercado de trabalho. A discrepância entre sucesso educacional e inserção profissional é um claro reflexo de que a educação brasileira, ainda que com avanços, não têm cumprido integralmente seu papel como um instrumento de equalização das injustiças sociais.
A avaliação é do pesquisador Gabriel Fortes, líder de pesquisa do Observatório de Equidade Educacional, do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), ligado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “O relatório mostra que no Brasil, 28% das mulheres entre 25 e 34 anos possuem um diploma de ensino superior, enquanto entre os homens esse percentual é de apenas 20%. No entanto, quando o foco se volta para o mercado de trabalho, o cenário se inverte”, destaca Gabriel Fortes, que também é professor e diretor do doutorado em psicologia da Universidade Alberto Hurtado, do Chile.
“Segundo o relatório da OCDE, menos da metade das jovens mulheres com escolaridade inferior ao ensino médio (44%) conseguem emprego, em contraste com 80% dos homens na mesma situação. Esse quadro é particularmente preocupante, pois expõe uma contradição fundamental: a educação, que deveria ser uma ferramenta de promoção da equidade, está falhando em seu papel de transformar resultados acadêmicos em oportunidades concretas para as mulheres”, enfatiza Gabriel Fortes.
A Persistência da Desigualdade
“Essa disparidade revela que o sistema educacional brasileiro, apesar de conseguir bons resultados no ensino básico e médio, não está preparado para enfrentar os desafios do mercado de trabalho e romper com as desigualdades de gênero. O resultado é um mercado onde a qualificação das mulheres não é recompensada na mesma medida que a dos homens, perpetuando um ciclo de exclusão e subvalorização”, destaca Gabriel.
O líder de pesquisa do Observatório de Equidade Educacional afirma que “essa realidade traz à tona a necessidade de repensar a educação a partir de uma perspectiva mais equitativa, que vá além de avaliar a média populacional e considere indicadores específicos, como a empregabilidade feminina, o impacto da escolaridade na renda das mães e a inclusão das mães solo no mercado de trabalho. Esses aspectos são importantes para entender como a educação pode — ou não — ser um motor de mudanças sociais justas”
O Papel da Educação em Tempo Integral
Gabriel Fortes defende que a busca por soluções exige uma revisão profunda das políticas educacionais, em especial no que se refere às mulheres em situação de vulnerabilidade. Ele cita que uma alternativa que se mostra promissora é o fortalecimento da educação em tempo integral, uma estratégia defendida pelo Banco Mundial em seu relatório técnico “Os Impactos da Educação em Tempo Integral na América Latina”, de 2024. Escrito por Giovanna Quintão, Louisee Cruz e Leandro Costa, o documento destaca como a oferta de escolas em tempo integral pode ser um fator decisivo para a entrada de mulheres no mercado de trabalho.
“Essa modalidade de ensino oferece um espaço seguro e acolhedor para crianças, o que possibilita que mães, especialmente as chefes de família, possam trabalhar em tempo integral sem a preocupação constante com a segurança e bem-estar de seus filhos. Além disso, a educação em tempo integral contribui para a formação de crianças com maior apoio pedagógico, o que pode criar um ciclo virtuoso de equidade a longo prazo, preparando essas futuras gerações para superar as barreiras que ainda hoje afetam as mulheres”, destaca o pesquisador do NEES.
Medidas Urgentes
Para Gabriel, se o Brasil deseja realmente avançar em direção à equidade de gênero, as políticas educacionais precisam ir além da promoção de melhores desempenhos acadêmicos e incorporar iniciativas que tenham impacto direto na empregabilidade das mulheres. “Isso inclui a formulação de políticas públicas que garantam a valorização profissional das mulheres a partir de suas qualificações educacionais, a construção para que mulheres chefe de família possam deixar seus filhos com qualidade de ensino e a criação de indicadores que reflitam as especificidades de gênero no mercado de trabalho, como a empregabilidade de mães e a renda familiar sustentada por elas”, observa.
“O futuro da educação brasileira precisa ser pensado a partir de uma perspectiva que abarque não apenas o desempenho escolar, mas também as condições que permitirão que esse desempenho seja transformado em oportunidades reais de desenvolvimento pessoal e social. Caso contrário, corremos o risco de perpetuar um sistema que, ao invés de promover a equidade, apenas reproduz as desigualdades existentes”, diz o pesquisador.
Um futuro nacional com equidade começa pela educação
“O desafio da equidade de gênero na educação brasileira não é uma questão isolada de desempenho escolar. Trata-se de uma questão estrutural, que exige uma abordagem sistêmica e focada em medidas que garantam que o sucesso acadêmico das meninas seja acompanhado por oportunidades justas no mercado de trabalho. O fortalecimento da educação em tempo integral para mães, a criação de indicadores específicos e a implementação de políticas públicas que contemplem essas necessidades são passos fundamentais para transformar a educação em um verdadeiro motor de justiça social no Brasil”, afirma Gabriel.
“Se a educação é, como acreditamos, o caminho para uma sociedade mais justa, não podemos mais ignorar as barreiras que impedem que as mulheres colham os frutos de seu esforço acadêmico. A urgência é clara e as soluções estão ao nosso alcance — basta vontade política e compromisso com a equidade”, conclui o professor.