Para um compromisso ético-político robusto contra as iniquidades, é preciso considerar a pluralidade e a singularidade das experiências femininas. É urgente a adoção de abordagens interseccionais que reconheçam e combatam as múltiplas camadas de discriminação enfrentadas pelas mulheres nas esferas educacional e profissional.
Essa é uma das conclusões de uma análise feita pelo Observatório de Equidade Educacional, uma parceria do Ministério da Educação (MEC) e Universidade Federal de Alagoas (Ufal), por meio do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES).
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o observatório destaca a importância de celebrar as conquistas já alcançadas pelas mulheres, mas também faz um convite para a sociedade refletir sobre os desafios na busca por justiça social e equidade na educação.
“É necessário escutar as vozes de tantas histórias de vida, na tentativa de compreender como as trajetórias femininas são marcadas por diferentes tipos de obstáculos e violências. Também nos empenharmos em compreender como esses obstáculos se materializam, no dia a dia, na educação e no trabalho de nós mulheres, tornando-se desigualdades sistêmicas”, afirma a coordenadora do Observatório, Angelina Nunes de Vasconcelos.
“A luta contra a discriminação de gênero é ampla e abrangente, este é um desafio que engloba mulheres de todas as esferas, apesar dos marcadores identitários que diferenciam suas experiências”, destaca o líder de pesquisa do Observatório de Equidade Educacional, Gabriel Fortes, que também é pesquisador e professor da Universidade Alberto Hurtado, do Chile.
“Mulheres pretas, pobres, lésbicas, deficientes, transexuais, entre outras, enfrentam desvantagens sobrepostas que reforçam a necessidade de uma abordagem interseccional na promoção da equidade educacional”, complementa a professora doutora Carine Valéria Mendes dos Santos, que coordenou esse estudo.
A pesquisa foi realizada pela equipe de estudos sobre narrativas de pessoas associadas ao trabalho de promoção da equidade educacional. Foram entrevistadas mulheres provenientes de diversos lugares e com histórias variadas, mas unidas pela luta comum pela equidade na educação.
“Essas mulheres, ao compartilharem suas vivências, revelam que as dificuldades e os obstáculos que delineiam não são apenas individuais, mas também coletivos, refletindo desigualdades sistêmicas que exigem ações coordenadas e conscientes”, afirma Carine.
BARREIRAS
Chamou a atenção dos pesquisadores, nas falas das entrevistadas, as posições de subalternidade sistemática nas quais as mulheres são colocadas também no âmbito educacional, seja na formação ou na atuação profissional, incluindo posições de liderança.
“O que evidencia barreiras persistentes à promoção de equidade para estudantes e para profissionais da educação. Estas barreiras não apenas limitam o potencial de desenvolvimento individual, mas também reforçam estereótipos de gênero e obstáculos à igualdade de oportunidades”, enfatiza Carine.
Entre os ganhos históricos relatados nas entrevistas estão o declínio progressivo no analfabetismo feminino e a inversão do hiato de gênero na educação superior. As mulheres ocupam cada vez mais espaço nas graduações e em formações subsequentes, como especializações, mestrados e doutorados.
“Contudo, a representação insuficiente de mulheres negras, trans e com deficiência nos espaços acadêmicos e profissionais aponta para a persistência de desigualdades estruturais”, observa Carine. O trabalho teve a participação de Ana Beatriz Dantas, Nathália Bulhões, Renata Brandão e Victória Araújo, estudantes do curso de psicologia da UFAL.
“E a melhora na qualificação profissional das mulheres não vem sendo acompanhada pelo mercado de trabalho, pois permanecem as dificuldades de oportunidade, as desigualdades salariais e os entraves para que as mulheres ocupem cargos mais altos nas hierarquias laborais”, apontam as pesquisadoras.
COLETIVIDADE
O estudo ressalta ainda que uma prática de resistência e coletivização que emergiu dessas narrativas foi o aquilombamento. “Este conceito, inspirado nos quilombos históricos brasileiros – comunidades formadas por pessoas que resistiam à escravidão e que buscavam liberdade e autonomia -, é mencionado por uma das entrevistadas como uma metáfora poderosa para a luta contemporânea das mulheres contra as desigualdades.”
“Aquilombar, no contexto atual, sugere a criação de espaços de segurança, apoio mútuo e empoderamento, onde mulheres de diversas identidades podem se reunir para compartilhar experiências, estratégias de resistência e construir juntas uma realidade mais equitativa”, reflete Carine.
“Ao se reunirem em coletivos baseados na solidariedade e no reconhecimento mútuo de suas lutas e aspirações, mulheres podem não apenas desafiar as estruturas de poder existentes, mas também criar novas formas de convivência social que valorizem a diversidade e promovam a equidade”, diz a pesquisadora.
“Inspirando-nos na prática do aquilombamento, podemos aspirar a uma sociedade onde cada mulher, independentemente de sua identidade ou origem, tenha voz, seja respeitada e tenha oportunidades iguais para alcançar seu pleno potencial”, conclui.